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Sobre o Espetáculo de Mamulengo

*Márcio Silveira dos Santos


 Nesta semana, pude conferir o novo trabalho do Grupo Tia Teatro. Trata-se de um espetáculo de Mamulengos (tradição teatro de bonecos do nordeste brasileiro) em versão gaúcha chamado: "As Ginetiadas do Valente Toninho Corre Mundo na Estância... de Cidão Dornelles". Diz a sinopse no programa da peça: "Nesta história você verá as aventuras e peripécias do aventureiro gaudério Toninho Corre Mundo, que certo dia inventou de se espraiar pro sul do sul e se aprumar num emprego de ginete domador de cavalo xucro, lá na estância de Seu Cidão Dornelles. Mas os fatos despencam pra outras aventuras, tem assombração, Cobra Grande, Diabo, muito suspense, humor e claro uma pitada de romance, que é pra arrancar um friozinho na barriga". A propósito a dramaturgia é de Márcio Silveira dos Santos. O espetáculo teve sua estreia na metade de 2013, como parte do projeto "Mamulengo como via de reflexão social" contemplado com a 1ª edição do Prêmio Empreendedor Cultural, mas somente agora pude conferir o que a trupe familiar desenvolveu junto com uma equipe fantástica de várias partes do Brasil. A direção na medida certa da brincadeira de bonecos populares ficou a cargo de Danilo Cavalcante, "o cara" é uma das grandes referências de uma safra de mamulengueiros que saíram do nordeste há décadas e espraiaram a técnica de botar bonecos pelo resto do país. A parte musical orquestrada por Fernanda Beppler transformou a Mariana Abreu numa multi-instrumentista e não é que a guria tá segurando bem e até caretas já faz durante o esgarçar do fole da gaita!! Mas bah!!! Enquanto Mariana-Maria-Mateus segura no contraponto de diálogo com o Astro principal do espetáculo, não ... não é o Militão, Opa!, e sim o Toninho Corre mundo, a quem o Marcelo De Souza Militão dá vida-manipula, se estrebucha lá dentro da empanada! Brincadeiras a parte, o bonequeiro-alma-voz do boneco se garante é claro!! Não é fácil, sabemos disso, dar vida a uma dezena de bonecos de diferentes técnicas de manipulação. Outro grande destaque do que vi, e é gritante, pois se trata da estética visual essencial do trabalho são os bonecos e a empanada, que passaram pelas mãos do competente Renan Leandro. Como o projeto prima pela fusão de culturas do brasil, principalmente das culturas gaúchas e nordestinas, na construção dos bonecos foram utilizadas madeiras de vários estados como o Mulungu trazido de Igarassu-Pernambuco, cedidas gentilmente pelo Grupo Mulungu Bonecos. Já a empanada toda estruturada em Bambus dá um retoque final, e incrível, com a juta amarrada com precisão. Soube por último que há em muito do trabalho estético o dedo de um mestre de vestimentas nordestinas, o grande Gleydson Catarina! O grupo em breve ganhará as ruas e espaços alternativos do país com este trabalho original e que já desenha uma vida longa, pois em breve será mostrado no nordeste aos grande mestres mamulengueiros. Parabéns pelo trabalho!!!!



 Grupo TIA faz 7 anos
                                                                                                           

   
* Márcio Silveira dos Santos

           Estamos em agosto de 2011, mês considerado pelo folclore popular como sendo "O mês do cachorro louco". Crendice ou não, a conjuntura dos fatos mostra um mundo dissolvendo-se em meio à queda das bolsas de valores e a explosão de revoltas pelos países do oriente e ocidente. Cidadãos do mundo mantêm a luta por igualdade, fraternidade e liberdade, condições básicas para a sobrevivência da paz mundial. Na América Latina, chilenos ateiam fogo nas ruas, no Brasil os fazedores de cultura promovem ocupações e documentos como formas de mostrar o descontentamento e a ira com os caminhos tortos traçados por um governo fora de prumo, repleto de atmosferas Kafkanianas e incomunicabilidade Beckettiana.
Já no Rio Grande do Sul, na cidade de Canoas, vizinha a capital Porto Alegre, totalmente antenados e envolvidos neste entrevero global, o Grupo TIA - Teatro Idéia Ação comemora seus sete anos de existência. Através de uma longa mostra, de 06/08 a 27/08/2011, composta de debates, oficinas e (claro que não podia faltar!) apresentações de teatro de rua. "A" nossa TIA dentro do seu pensamento filosófico, político e ético de coletivo não poderia estar sozinha, tem suas comemorações reforçadas por alguns dos "primos": Grupo Cambada de Teatro em Ação Direta Levanta Favela, Cia Um Pé de Dois e Grupo Mototóti, grupos articuladores da RBTR/RS. Somados a estes há outros grupos da  cidade, como o Arteiros Teatreiros, Angola Brasil e Mojubá, que apresentam performances, rodas de capoeira, dança e teatro, contribuindo nos condimentos do recheio e no soprar das velas do fermentado bolo deste grupo de circo, teatro e porque não dizer, povo multifuncional que encara qualquer parada a pau e corda.
Marcelo e Mariana fundaram o grupo dentro da proposta de realizarem um teatro experimental, de intervenção social, onde se possa pesquisar e descobrir formas de um fazer teatral peculiar ao grupo. Uma das características do grupo é a itinerância, viabilizando seus espetáculos na rua e outros espaços de maior acesso ao público em geral. Desenvolvem um trabalho dedicado ao teatro e à pedagogia, com temas questionadores, mas sem perder a ludicidade e o encanto.
O grupo realiza também oficinas de teatro para todas as idades.
Nessa trajetória de 7 anos criaram diversas intervenções cênicas, performances, rádio teatro, espetáculos infantis e teatro de rua. No ano de 2010 estiveram circulando pelo nordeste brasileiro através do Movimento Escambo, realizando apresentações e vivencias que tornaram o trabalho do grupo mais coeso e engajado.
Um tempo antes destas comemorações fui convidado para um jantar na sede da troupe, e como diz o rapper paulista Emicida: Pólvora não é Tempero! Cheguei sabendo de antemão que não haveria pólvora no saboroso risoto regado por umas cevas e vinho, mas haveria pólvora nos diálogos políticos/econômico-sociais/etc., com essa galera pronta "pra tocar o horror, explodir". Neste encontro que durou muitas horas ao som de um set list You Tube porrada da DJ Mariana Abreu que junto ao Marcelo Militão fundaram o grupo, pude conhecer mais esta trajetória de sete anos e crer que outros tantos virão.
Mas foi naquela noite que conheci outro integrante e que me pareceu, até certo ponto, uma espécie de mentor nas idéias e ações deste grupo. Explico. Trata-se do Paçoca, um cara rueiro mesmo, que o casal M & M encontrou na rua vagando pelo mundo, girando por aí sem eira nem beira, um teatino na roda do tempo. Trocaram umas idéias e combinaram que em troca de cama, comida, roupa lavada e muita arte ele poderia expressar-se a vontade, teria o seu lugar ao sol. Combinação feita, Paçoca já está a um bom tempo no grupo, contribuindo na sanidade do M & M e mantendo os gatos da sede comportados. O cara é uma simpatia, já recepcionou teatreiros e circenses do Brasil e países vizinhos, como o pessoal do Escambo do Nordeste, do Buraco d'Oráculo e Núcleo Pavanelli de São Paulo, bem como participou de reuniões da RBTR/RS e na organização do 7º Encontro Nacional de RBTR. Tudo do seu jeito, quieto, observador e impondo presença através de suas expressões inesquecíveis. Há poucos dias foi visto no Facebook com suas fotos de apoio ao Movimento dos Trabalhadores da Cultura na ocupação da Funarte/SP. Eram fotos junto ao seu espaço na sede que, aliás, me cedeu um cantinho pra pernoitar naquela noite fria.
Acredito que Paçoca deva ter criado um número ou uma mini performance pra esta mostra de sete anos do TIA, mas isso sempre é segredo, pois Paçoca adora fazer surpresas. Ah! Fico tentando adivinhar se ele vai ficar verde fluorescente como a Beagle sul-coreana Tagon, que brilha sob luz ultravioleta. Mas com base nas ideias deste mentor do TIA, acredito que se ficar verde sob a luz do sol, vai ser de raiva como o Hulk, por tamanha indignação com a forma como as instâncias de poder inibem hoje em dia o artista de rua e cerceiam sua liberdade de expressão.
Brincadeiras metafóricas a parte, esta mostra de resistência e força, repleta de intervenções na cidade de Canoas que todos poderão desfrutar gratuitamente, mostra a importância do Grupo TIA para a cidade e para os artistas de rua do mundo. Mais informações podem ser obtidas no blog: tia-teatro.blogspot.com. Além do blog também há o zine independente que se esgota rápido, "O Mio do Gato", cujo nome é mais uma das fortes ligações do grupo com o universo felino, pois há também o símbolo da Troupe, um gato preto todo eriçado com uma bela flor na boca e há os gatos guardiões da sede junto com Paçoca e no caminho da coincidência completam sete anos! Mas diferentemente do tempo de vida de um gato desejo que esse sete se multiplique por muitos outros, com muita persistência e pé na tabua!
Vida Longa ao Grupo TIA.
Evoé!


* Márcio Silveira dos Santos é ator, diretor, dramaturgo e professor.
Integrante do Grupo Teatral Manjericão.




Nossa opção pelo teatro de rua...

*Marcelo Militão

...Se dá pela liberdade, pelo posicionamento e enfrentamento que propõe. A rua não tem dono, o que define o ator da rua é a relação com o público, nada mais. O chapéu é sua remuneração, a mais sincera e singela, a rua é o palco mais legítimo, o ator na rua está na corda bamba, se não domina os elementos... não dá para correr para a coxia. O ator da rua transforma e convenciona tudo, inclusive seu palco. A rua pode ser tudo, é um lugar de trânsito de energia e acontecimentos muito fortes. As manifestações culturais mais fortes são na rua, As rodas de capoeira mais tradicionais são na rua, o carnaval de rua, o hip hop, o rap, o grafite, as comemorações religiosas...  Quando o povo quer protestar vai para a rua. Por isso ficamos “de cara” quando espetáculos que tem toda independência e autonomia precisam pedir uma autorização para apresentar-se na rua.Que é nossa, é de todos. Essa relação é da rua, com o artista, com o povo e não de um terceiro, da burocratização.
Existem locais ainda, onde não é tão simples apresentar, devido ao grau de hostilidade presente na comunidade, devido ao “escanteamento” social que sofrem e de uma relação mais ausente ou inexistente que o teatro representa para essas pessoas.  Então, tem toda uma relação a ser construída, estabelecida entre público e artista, e a rua como via. Não é uma autorização, um papel, que te dá essa segurança, essa comunicação.Outro dia, no meio de uma apresentação, em um parque próximo do centro da cidade, duas gangues resolveram disputar espaço no mesmo local, data e hora do nosso espetáculo, eles chegaram depois do teatro já ter iniciado, ou seja, a rua cobra suas necessidades.



*Marcelo Militão é ator e diretor do Grupo TIA



Direito de manifestação,locomoção e expressão do pensamento:

Constituição Federal-Artigo 5º

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade. à igualdade, à segurança e à propriedade, no termo seguinte:

IX- É livre a expressão da atividade intelectual artística, científica e de comunicação independente de censura ou licença;

                                     

 

O pássaro, o cativeiro, a liberdade 

Estação Ferrinho 47 anos

*Ana Campo 



Quem não gosta de passarinho, ainda não viu “João Jiló”.
Sob os olhos atentos de mais de uma centena de crianças e alguns adultos retrospectivos, o trio de atuadores do grupo TIA (Teatro Ideia Ação) mostrou que tira de letra o público para o qual se dirige - se isto ainda é possível!!! Esse tirar de letra dispõe de um vasto vocabulário no qual podemos citar a participação ativa (e não decorativa) do público como conceito chave.
A exposição carregada de humor de uma situação corriqueira e naturalizada – a captura de um pássaro- é dramatizada para remeter-nos ao atual drama universal, a devastação ambiental.
O domínio de cena é admirável em Mariana, atriz do grupo que despertou atenção das crianças já às portas do Ferrinho. Marcelo se transforma de anarquista metido a piadista, em um João rústico e amargo, amargo que nem jiló. Gil - que não é o Gilberto mas manda bem - fica a cargo da viola e uma certa melancolia.
Sem medo das linguinhas afiadas e como é tradição em nossas trupes, a apresentação foi seguida de bate- papo cuja pauta predominante foi a barriga de balão do João, do João Jiló. 

                                                 *Ana Campo é atuadora e Colaboradora do Grupo Trilho



                              Manifesto do Grupo Tá Na Rua

Ser artista é uma possibilidade que todo ser humano tem, independente de ofício, carreira ou arte. É uma possibilidade de desenvolvimento pleno, de plena expressão, de direito à felicidade.
A possibilidade de ir ao encontro de si mesmo, de sua expressão, de sua felicidade, plenitude, liberdade, fertilidade é de todo e qualquer ser humano. Isso não é um privilégio do artista, é um direito do ser humano — de se livrar de seus papéis, de exercer suas potencialidades e de se sentir vivo.
Todo mundo pode viver sua expressão sem estar preso a um papel. Não se trata de ser artista ou não, mas de uma perspectiva do ser humano e do mundo. Não se trata só de todos os artistas serem operários, mas também de todos os operários serem artistas. Das pessoas terem relações criativas, férteis e de transformação com o mundo, a realidade, a natureza, a sociedade.
O homem não está condenado a ser só destruidor, consumista, egoísta como a sociedade nos leva a crer.